sábado, 12 de julho de 2008

Orelhas do livro por Donizete Galvão


Donizete Galvão
(Poeta e jornalista)

O leitor que procurar apenas traços autobiográficos explícitos em Biografia do deserto vai mergulhar em mundo bem mais obscuro, formado por várias personas a quem o autor dá voz. Ele se distancia da auto-referência para tratar da dor, solidão e orfandade daqueles que enxerga como irmãos. Podem ser pessoas fictícias, dos filmes, ou pessoas reais que passam pelo seu olhar atento.

Seres sempre à margem, como mendigos, deformados, a avó prestes a morrer, o João que vai ao banco, os desafortunados. É com intensa emotividade que ele traça esses retratos. Há um sentimento de solicitude, de compaixão para com essas pessoas. Como se a dor delas precisasse de algum jeito ser recuperada e ganhar o consolo sob a forma de poesia. Contraditoriamente, ao falar dos outros, de maneira enviesada, acaba compondo também um auto-retrato, em que se percebe um grande sentimento de perda.

A poesia de Alexandre Bonafim revela, assim, uma sensibilidade dolorida, uma melancolia que se estende sobre os homens desde o princípio. Tem fortes traços expressionistas e passionais. Há também uma ligação com a lírica contemporânea portuguesa, de quem é grande leitor.

Partindo da experiência com o real, Alexandre Bonafim, na figura do centauro bate “... a terra/ do mistério/o solo/ do invisível.” "O centauro/ cavalga/ no limiar/ entre o verbo/ e o silêncio.” O real, entretanto, é sempre mais denso. “O poema é resquício/ deserto de vida”. Do deserto do poeta surgem poemas com a emoção profunda de um réquiem.

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