sábado, 12 de julho de 2008

O cheiro da papaya verde


Com o dedo, a menina afaga o âmago do fruto. Seu desejo fere a pele dos milagres. Nos acordes do seu sentir, tudo é inaugural: a textura das cores, o paladar em viva carne e sentimento, o silêncio em inesgotável manhã. Também em seu cerne, uma semente antecipa os amadurecimentos. Ela é o louvor de todas as minúcias, o pulsar de toda gota, o calor de todo grão. Nas alturas da casa, a anciã acalenta as preces e os mortos, mas só a menina conhece a linguagem do imperecível. Em sua pele, todo nascimento banha-lhe a nudez, toda inocência acalanta-lhe o tato. A menina acaricia o âmago do fruto, enquanto um cheiro de festa mergulha o existir no verde mistério da vida.

Nenhum comentário: